1 de abril de 2016
* Luís Paulo Serpa
A aquisição do primeiro imóvel não é só a realização de um sonho da maioria dos brasileiros mas, principalmente, o investimento de todas as economias até então reunidas ao longo da vida. Na maioria das vezes, também é necessário complementar o pagamento com outros recursos como, por exemplo, o financiamento bancário.
Assim, a decisão de compra de um imóvel deve ser precedida de cautela, especialmente no que diz respeito à documentação a ser apresentada pelo vendedor e, sempre que possível analisada por um advogado experiente e de confiança, ainda que a negociação esteja sendo intermediada por um corretor de imóveis.
De uma forma geral, a documentação a ser verificada diz respeito ao vendedor e ao imóvel que está sendo adquirido, podendo ainda ser estendida para outras partes conforme o caso (condomínio etc.).
O primeiro passo é saber se quem está vendendo é realmente o proprietário atual do imóvel, situação que é verificada através da análise da matrícula do imóvel expedida pelo Serviço de Registro de Imóveis.
A matrícula é um documento de identificação do imóvel onde consta sua descrição completa e a sequência de todos os negócios e informações que tenham pertinência com sua situação jurídica, funcionando como uma verdadeira “biografia” na qual constam todos os atos e ocorrências pertinentes ao mesmo (registros e averbações).
Portanto, a apresentação da matrícula atualizada do imóvel é indispensável e de sua análise podem ser verificados detalhes de suma importância, dentre os quais:
a) se a pessoa que se apresenta como vendedor é, de fato, o proprietário do imóvel;
b) se o imóvel já foi prometido à venda para outra;
c) se o imóvel é de uma única pessoa ou se existem outros proprietários que têm preferência na aquisição do mesmo;
d) o estado civil do vendedor e, se casado, se é necessária a assinatura do cônjuge (conforme o regime de bens adotado);
e) se o bem está gravado com cláusula de inalienabilidade, usufruto, hipoteca, alienação fiduciária ou alguma outra restrição;
f) se em algum momento houve venda de ascendente para descendente, pois neste caso é indispensável ter havido a anuência dos outros filhos e do cônjuge do vendedor.
Também devem ser providenciadas as certidões relativas a tributos municipais, dado que tais tributos estão diretamente ligados ao imóvel e a responsabilidade pelos mesmos é transferida para o novo proprietário. Desta forma, se uma pessoa adquire um imóvel com tributos em atraso, terá o dever de pagá-los, ainda que os fatos geradores refiram-se a períodos anteriores à aquisição.
O mesmo ocorre com as despesas de condomínio e eventuais condenações em ações judiciais promovidas contra o mesmo.
Normalmente, os adquirentes se preocupam apenas em saber se as despesas condominiais da unidade estão em dia. Entretanto, é importante considerar a situação do condomínio com relação aos aspectos trabalhistas e previdenciários, pois a Justiça tem entendido que as unidades autônomas podem ser penhoradas em razão de dívidas do condomínio.
Identificado o legítimo proprietário e vendedor do imóvel, a primeira providência é analisar a capacidade jurídica do vendedor para identificar se este está apto para a prática do ato sob o ponto de vista jurídico ou se é necessária a apresentação de autorização judicial (venda de imóvel de propriedade de menor, interditos etc.).
Ainda com relação ao vendedor, recomenda-se a análise das certidões de ações judiciais distribuídas em nome do mesmo, tanto da comarca de domicílio deste, como na comarca onde se localiza o imóvel que está sendo adquirido.
A ideia é afastar ou minimizar riscos de questionamentos por parte de terceiros na condição de credores do vendedor, para desconstituir a venda e penhorar o imóvel numa eventual comprovação de fraude.
Observe-se que, o fato do vendedor figurar como réu ou executado num determinado processo judicial, por si só não significa que se este vender algum imóvel estará agindo com o intuito de fraudar credores. Muitas vezes a venda do imóvel é justamente para possibilitar o pagamento de dívidas. Neste ponto, é necessário avaliar se a dívida objeto do processo judicial contra o vendedor é de valor capaz de causar sua insolvência, ou se este tem outros bens suficientes para arcar com eventual insucesso nas ações judiciais.
Tais cautelas, apesar de causarem uma verdadeira tormenta na vida do comprador dado o grande volume de certidões a serem obtidas e analisadas, acabam por demonstrar sua boa-fé enquanto adquirente o que permite a manutenção da venda, afastando a penhora sobre o imóvel.
Mais recentemente, em 20/01/2015, visando facilitar o processo de aquisição de imóveis e conferir ao mesmo maior segurança jurídica, foi editada a Lei nº 13.097/15, que determina que todos os ônus e restrições incidentes sobre o imóvel devem estar na matrícula do mesmo.
Trata-se do princípio da concentração, segundo o qual tudo o que não estiver na matrícula não poderá ser oposto ao adquirente do imóvel. Assim, tudo o que puder de alguma forma atingir o imóvel terá que constar na matrícula do mesmo, seja por registro ou por averbação, para ter valor jurídico capaz de provocar a ineficácia da transmissão ou oneração do imóvel.
Diante disto, além dos atos translativos de propriedade, da instituição de direitos reais, na matrícula devem constar também os eventuais atos judiciais, ou seja, aqueles que de alguma forma restringem a propriedade, as penhoras, arrestos, sequestros, embargos, declarações de indisponibilidade, ações pessoais reipersecutórias e as ações reais, os decretos de utilidade pública, as imissões nas expropriações, os decretos de quebra, os tombamentos, comodatos, as servidões administrativas, os protestos contra a alienação de bens, os arrendamentos etc.
A providência para registro das ações de execução e outras medidas judiciais que possam afetar o imóvel deve ser efetivada pelo credor ou interessado por solicitação junto ao juízo no qual se processa a demanda. Caso isso não ocorra e não conste restrição na matrícula, o eventual processo existente não poderá atingir o novo adquirente.
Importante frisar que, para que esta nova realidade seja aplicada, a Lei estabelece um período de transição de dois anos a partir de sua vigência. Assim, recomenda-se que a verificação das certidões de distribuições de ações judiciais em nome do vendedor continue sendo feita.
Mesmo com essa evolução legislativa, que muito agrega na dinâmica do processo de aquisição de imóveis, ainda não se esgota totalmente a hipótese do comprador ter algum aborrecimento relacionado ao negócio senão adotar cautelas preventivas antes da compra e pagamento definitivo do preço.
Entretanto, adotadas tais cautelas o comprador já consegue demonstrar sua boa-fé, de forma inequívoca se, eventualmente, no futuro o imóvel adquirido sofrer alguma constrição relacionada a dívidas dos anteriores proprietários.
* Luís Paulo Serpa, advogado e mestre em direito pela PUC/SP